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Nos últimos anos, a história social da cultura escrita tem se constituído como um campo privilegiado de debate científico. Com isso, identifica-se um crescente número de pesquisas relacionadas ao mundo ibérico colonial que dialogam com estas perspectivas de análise, que problematizam a cultura escrita dos espaços coloniais por meio da intrínseca relação que possuem com a efetivação das políticas coloniais. Neste sentido, seja nos aspectos administrativos, religiosos ou concernentes à vida particular dos envolvidos com as mobilidades dos impérios, este Simpósio Temático tem como meta principal reunir pesquisas que analisem a formação e a manutenção do mundo colonial ibérico vinculada à produção, à circulação, aos usos e à conservação de manuscritos e impressos – nas mais variadas materialidades. Portanto, objetivamos agrupar pesquisadores que se proponham a refletir a cultura escrita descentralizando o olhar que as considera unicamente como fonte de conteúdos históricos, para também considerá-la objeto de análise.Especialmente, a partir da década de 1990, a história da cultura escrita tem se constituído como um produtivo território de análise. Pesquisadores como o francês Roger Chartier e o norte-americano Robert Darnton trazem a público a importância da compreensão da circulação de ideias através da história do livro e da leitura. Os historiadores espanhóis Antônio CastilloGoméz e Fernando Bouzaenriquecem este debate ao destacar os impactos da produção e recepção da escrita entre impressos e manuscritos – mesmo depois da invenção da imprensa. Este grupo de especialistas, junto aos que se filiam a tais vieses de análise, propõe analisar as práticas escritas considerando as temporalidades: o tempo de aquisição da competência de escrever, o tempo da produção, o tempo de recepção e o tempo de conservação, pois os estudos da cultura escrita se enriquecem quando ultrapassam os debates da produção e do consumo, e incluem o tempo da conservação – o que proporciona considerar, sobretudo, relações entre memória e esquecimento. Por conseguinte, estas análises ponderam as possibilidades analíticas dos domínios do discurso, da prática e da representação que perpassam o universo da escrita, o que permite compreender os sentidos dos documentos fora dos conteúdos que oferecem. Assim, a materialidade torna-se mais do que um suporte da palavra, mas é colocada em diálogo com a informação que abriga.O historiador português Diogo Ramada Curto considera o avanço da história da cultura escrita global intrinsecamente ligado à incorporação do “rico legado de experiências de diferentes tradições nacionais de pesquisa bibliográfica, de investigação sobre manuscrito, objetos impressos e formas de comunicação oral”. Tal perspectiva aparece na coletânea Um mundo sobre papel, que assume empiricamente a importância do novo mundo nas redes da cultura escrita moderna; livro em que Curto contribui com o estudo da casa de edição Plantin-Moretus, fundada no século XVI. Com tais questões, é possível pensar a América na trajetória da circulação planetária das coisas, para usar uma expressão de Serge Gruzinski, garantida pela mobilidade das letras ao manter um circuito no qual as quatro partes do mundo intercambiaram informações, pessoas, conhecimentos, riquezas e culturas que conformaram a modernidade.A correspondência dos administradores ultramarinos entrelaçadas a redes de interlocutores presentes no espaço colonial e no reino; os avisos, decretos, bandos, ofícios, entre outras tipologias documentais do exercício do mando; os documentos produzidos pelas visitações inquisitoriais na América portuguesa; os papeis do tribunal da relação e seus congéneres legislativos; os documentos dos religiosos, sobretudo, a íntima relação entre as ações jesuíticas e a necessidade do registro escrito; os manuais e tratados que buscavam abranger os sentidos da vida pública e privada nos mundos coloniais; a introdução da Tipografia Régia, em 1808, junto do nascimento da Gazeta do Rio de Janeiro (primeiro jornal a ser produzido em terras brasileiras); a transladação do acervo da Real Biblioteca D’Ajuda de Lisboa para a nova capital, entre 1810 e 1811; os livros censurados e proibidos de circular; as discussões em torno da autoria, da “função social” do autor, das regras sobre os direitos dos autores e sobre a propriedade dos textos impressos, são alguns exemplos da maciça produção da cultura escrita moderna e que é de profícua relevância para a investigação histórica. Neste sentido, problematizar estas práticas de escrita do período colonial ibérico, considerando-as como objetos de pesquisa e não apenas mensageiras de conteúdos, certamente, proporciona análises mais pormenorizadas da relação do império com a circulação de papeis, conjecturando relações de saber e poder.Estudar a escrita é também ponderar sua intrínseca relação com a efetivação das políticas coloniais, seja nos aspectos administrativos, religiosos ou concernentes à vida particular dos envolvidos com as mobilidades do império. Deste modo, a relevância deste Simpósio Temático justifica-se pelo crescimento dos estudos que dialogam com estas possibilidades investigativas provenientes dos atuais debates da história da Cultura Escrita. Assim, a meta principal será reunir pesquisas que analisem as práticas políticas, econômicas, sociais e culturais que conformaram o mundo ibérico colonial, nas distintas partes do globo, e que são inseparáveis da circulação da escrita manuscrita e impressa – cartas, livros, relatórios, gazetas, panfletos, ofícios, bilhetes, sermões, dentre outros que compõem a multiplicidade da escrita – objetivando a formação de um espaço de debate teórico e metodológico para a problematização das complexas relações da história dos impérios coloniais.


Bibliografia:

ALGRANTI, Leila Mezan; MEGIANI, Ana Paula (org.). O império por Escrito: formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico (séculos XVI-XIX). São Paulo: Alameda, 2009.
BOUZA, Fernando. Corre Manuscrito: Una historia cultural delSiglo de Oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.
CHARTIER, Roger (org.). Práticas de leitura. Trad. Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
____. A mão do autor e a mente do editor. Trad. George Schlesinger. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
CURTO, Diogo Ramada. Cultura Escrita (séculos XV a XVIII). Lisboa: ICS, 2007.
GÓMEZ, Antonio Castillo. Entre la pluma y La pared: una historia social de la escritura en los siglos de oro. Madrid: Akal, 2006.

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