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O objetivo desta comunicação é discorrer sobre questões de cultura política do Antigo Regime e suas práticas governativas na América Portuguesa. Ao longo da Época Moderna, os domínios ultramarinos das monarquias ibéricas foram palco da atuação de múltiplos sujeitos detentores de poder e também das elites locais, os quais recorreram a um amplo repertório de práticas de mando e governo. Esses sujeitos agiam a partir de postos de administração ou por meio de redes – fossem clientelares ou governativas –, compartilhando, enquanto vassalos privilegiados, de determinado arcabouço, jurídico, econômico, militar e principalmente ético, o qual deveriam respeitar e reproduzir. Tal conjunto de premissas compunha boa parte das identidades nas sociedades de Antigo Regime. Não obstante, os desafios inerentes à árdua tarefa de se organizar os domínios do Novo Mundo segundo os modelos ibéricos, levaram ao surgimento de arranjos plurais e multifacetados. Estudos recentes têm mostrado que a atuação desses grupos não se restringiu apenas ao escopo político-normatizador, mas que se pautou também pela busca de ganhos econômicos, do que resultou uma série de práticas ilegais, combatidas por uma rigorosa legislação. Tal quadro tende a relativizar as análises centradas na ideia da existência de um poder centralizado, exercido de forma verticalizada e rígida, dando lugar a uma percepção mais flexível das formas de governo, nas quais os agentes da administração partilhavam com a sociedade local o espaço das atividades econômicas, fossem elas lícitas ou ilícitas. É em torno desse espaço que proliferou um conjunto de práticas que, ao longo de toda a Época Moderna, flexibilizou o exercício do poder, aproximou as autoridades administrativas das elites coloniais, repartindo entre ambas os lucros financeiros e os recursos políticos do processo colonizador. Contrariamente às interpretações e discursos tradicionais, para as quais o fenômeno da corrupção constituía um desvio no funcionamento do mundo colonial, os estudos mostram que ele se integrava à lógica das instituições, assumindo aí uma dimensão sistêmica e estrutural. A isto se soma o papel decisivo do imaginário do Novo Mundo como terra de oportunidades e enriquecimento vertiginoso, tanto na atuação dos agentes da administração, quanto dos habitantes locais. Fortuna, privilégios e distinção foram, inegavelmente, alguns dos atrativos oferecidos pelo mundo colonial, e que integravam o chamado bem público ou comum, na medida em que a natureza pactícia da relação rei/vassalos estabelecia um contrato de obrigações e deveres mútuos, do qual faziam parte o bem servir e o aumento da República e dos vassalos.
As comunicações propostas aqui pretendem percorrer parte desse cenário levantando questões relativas à cultura política seiscentista e setecentista, a partir do estudo de caso de alguns dos mandatários da América portuguesa que exemplificam esse ethos do servir em colônias à moda da terra e à moda que melhor lhes apetecia. As práticas administrativas, as elites, os desvios, são nosso objeto de discussão.
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