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Viajar implica a necessidade de pousos para o descanso. Pousar é por um lado necessidade e, por outro, possibilidade de provimento e de sociabilidades. A proposta da mesa redonda aqui apresentada objetiva refletir sobre esse lugar de paragem e de acolhimento do viajante, ao longo de estadias mais prolongadas, bem como nos espaços de deslocamento de caravanas e de tropas pelos confins do mundo ibero-americano em seu tempo colonial. As residências urbanas ou no campo, além de proporcionarem hospedagem aos viajantes, ofereciam outros tipos de sociabilidades, nas quais a comida ocupava um lugar de destaque, enquanto símbolo de hospitalidade. O convite para uma refeição ou para um simples refresco era uma forma de acolher e de introduzir na sociedade local o estrangeiro. Os pousos, por sua vez, são formas receptivas que nos apontam para uma tradição de acolhimento pelos caminhos. São ranchos que se apresentam como lugares específicos de albergar tropeiros e suas tropas com suas mercadorias, viajantes cientistas com suas comitivas, transeuntes que precisam interromper a viagem para descansar, dormir, alimentar e recuperar as forças. Nomeados de forma variada, de acordo com a região e a cultura local, os pousos podem ser ranchos, entrepostos, varadouros, capões, paragens, pontos. Há nesses espaços pouco conforto e uma proteção apenas relativa diante das intempéries e da presença de animais (selvagens e domésticos) que podem se avizinhar e causar incômodos. Ao desconforto desses lugares, acresce-se a presença de pragas – carrapatos, pulgas e de bichos-de-pé, por exemplo – que assaltavam o hóspede e incomodavam tanto ou mais que o desconforto material do ponto de repouso. Há nesses lugares materialidades que vão das condições ambientais e das possibilidades de proteção às formas de se alojar e de prover homens e animais de transporte de condições propícias ao prosseguimento da viagem. É, sobretudo e portanto, além de lugares rústicos, espaços de conforto relativo e de reabilitação. As vendas eram, geralmente, estruturas anexas aos ranchos e serviam, também, para receber e provir quem viaja e, certamente, condicionavam certo conforto no deslocamento. Elas ofertavam ao viajante alguma espécie de comestíveis para lhe prover e eram, ainda, espaços de uma sociabilidade possível e diversa. Era no espaço das vendas que os viajantes mitigavam sua fome e deleitavam seu descanso, afastando a solidão da viagem. Era aí o lugar de uma mínima sociabilidade com o desconhecido. Ao seu lado, costumavam existir as tendas de artesãos montadas para atender as necessidades diversas do viajante. Os fazeres artesanais eram ações
extremamente essenciais ligadas ao transporte animal, prestadas por ferradores e alveitares, carpinteiros, ferreiros e correeiros, artesãos imprescindíveis nas emergências das viagens, tornando-as mais seguras e previdentes. A venda, talvez fosse, neste tempo, para além do posto de comércio de víveres e de sociabilidades masculinas, um lugar da informação acerca dos caminhos e dos acontecimentos regionais e locais. Ao viajante, certamente, os relatos sobre as condições da viagem e dos percursos que o esperavam, tinham a utilidade de condicionar medidas preventivas, de preparar melhor a comitiva e até de planejar a sequência da viagem e o plano de cavalgadas e de pernoites. Os pousos e as vendas eram lugares de alimentação. Alimentavam-se aí, o corpo e a mente. Descansavam homens e animais em um espaço transitório, onde a aridez e as dificuldades do deslocamento tinham pausa hospitaleira. Há na ideia de hospitalidade nos pousos, a compreensão da necessidade do provimento às caravanas de viajantes. A acolhida a quem desloca é fator de relevância para todas as culturas. Construiu-se em todas elas a dimensão do deslocamento como algo que fragiliza quem está ausente de seu lugar original (noção de insegurança por ausência de lugar) e que é necessário proteção, compensação e igualização entre quem dá e quem recebe hospitalidade. Essa proteção igualizadora compreende o provimento de conforto ao corpo e de sustento material às suas necessidades. Neste sentido, albergar e nutrir, fazem parte do mesmo ato de proteção a quem está em deslocamento.A mesa-redonda aqui proposta quer, a partir de especificidades documentais, temporais e regionais, refletir sobre as condições materiais e sociais do acolhimento e hospedagem de viajantes tanto na estabilidade de permanências mais prolongadas, como nos caminhos da ibero-América.
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