top of page

Ao longo da época moderna, os impactos da expansão e da colonização geraram processos específicos no interior das culturas europeias e americanas, que frequentemente implicaram a objetivação de controvérsias intelectuais de modo a definir posições sobre o direito natural, a guerra justa, a escravidão, a tolerância religiosa, a dominação colonial, o princípio da autoridade, os desafios de governar impérios pluricontinentais e multiétnicos, entre muitos outros. Por isso, este simpósio vale-se do conceito de “guerras culturais” cunhado pelo modernista Edward Muir. Embora as análises sobre os debates intelectuais envolvendo temas diretamente relacionados às regiões coloniais ainda sejam secundárias na historiografia brasileira, a história intelectual pode oferecer grandes contributos no intuito de iluminar aspectos pouco estudados até o presente momento. De fato, as perspectivas metodológicas abertas pela história intelectual podem subsidiar abordagens específicas sobre o passado colonial, em particular, e o Ocidente moderno, em geral.Nesta proposição de simpósio, querelas e controvérsias são assumidas como estruturantes do campo político e cultural na Época Moderna. Em termos retóricos, querelas, controvérsias, debates, diálogos e paradoxos são variações da "disputatio" que, na tradição escolástica, era uma modalidade formal de debate utilizada para elaborar teorias e normativas em âmbito teológico. Em termos políticos, elas são modos de expressar o dissenso cultural e estratégias para reconfigurar o campo epistemológico partindo da experiência (o "caso" objeto da disputa) e configurando diretrizes práticas para a ação. Na Época Moderna, as disputas e os casos que elas examinam se inserem em práticas discursivas regradas e em tradições comunicativas consolidadas mas elas revelam muito mais do que sua dimensão literária e retórica aponta: elas estruturam o campo político-cultural, pois revelam a dinâmica pela qual ideias e teorias são usadas para interferir e intervir no mundo social.As comunicações para esse simpósio podem contemplar três linhas temáticas que organizarão o evento:A "disputatio" é o locus da criação (literária, artística e também política), o espaço privilegiado no qual a interação entre práticas letradas, campos do saber e tradições analíticas tornam-se motores da criação, da ressignificação de temas e saberes, da produção de novos campos epistemológicos ou da reconfiguração de problemas tradicionais em função dos novos dados da experiência. Esta linha temática contemplará comunicações que versem sobre a emergência de novos gêneros e novas formas retóricas que, a partir dos enquadramentos tradicionais, põem em discussão a utilidade e as hierarquias entre os diversos campos do conhecimento: do relato utópico ao sermão missionário; da controvérsia teológica ao panfleto rebelde; do libelo político ao tratado jurídico. Propomos que sejam exploradas as práticas retórico-argumentativas postas em relação com as forças intelectuais, institucionais, políticas e artísticas que, através das disputas, permitem considerar os programas de ação e de criação, bem como os públicos que os recebem.“Dominium” é uma categoria jurídica reelaborada pela Neoescolástica moderna que a declina para diferentes contextos: quanto às relações de produção e destino individual e comum dos bens, no sentido e uso, posse e propriedade privada e sua função social e quanto às relações de poder inerentes à governança das gentes, envolvendo os atributos e os limites do exercício da soberania. Esta linha temática contemplará comunicações que versem sobre os dois sentidos da categoria "dominium": dos monopólios régios aos desafios fiscais impostos pela administração de impérios globais; dos debates a respeito da propriedade sobre a mão-de-obra às considerações sobre a utilidade comum da propriedade privada; da jurisdição exercida pelo poder soberano sobre os súditos de impérios pluricontinentais ao pretenso universalismo das instituições eclesiásticas, entre outros.“Querelle” é um termo francês que, além do sentido jurídico, indica uma contenda intelectual, particularmente utilizada para se referir à “querela dos antigos e modernos”. Ela também era uma estratégia que alimentava as polêmicas político-religiosas, científicas e/ou literário-artísticas na Época Moderna. Esta linha temática contemplará comunicações que versem sobre querelas, estabelecendo seus espaços de sociabilidade na cultura letrada - colégios, academias, tribunais, cartas, redes epistolares -, seus âmbitos de repercussão, suas estratégias de publicização, entre outros. As contendas a respeito das práticas de censura, das normativas sobre limpeza de sangue, da função do aristocrata como letrado, por exemplo, são querelas relevantes para a história intelectual do nosso passado colonial.


Bibliografia:


CALAFATE, Pedro. A Escola Ibérica da Paz nas Universidades de Coimbra e Évora. Coimbra: Almedina, 2015, 2 vols.
CAROLINO, Luis Miguel. Ciência, Astrologia e Sociedade. A Teoria da Influência Celeste em Portugal (1593-1755). Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian / FCT, 2003.
EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2000.
MARCOCCI, Giuseppe. A consciência de um império: Portugal e o seu mundo (Sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
MUIR, Edward. The Culture Wars of the Late Renaissance: skeptics, libertines, and opera. London: Harvard University Press, 2009.
PÉCORA, Alcir. “Cartas à segunda escolástica”. In: NOVAES, Adauto (org.). A outra margem do ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, 1999, p. 373-414.
_______. Máquina de gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 135-167.
PINCUS, Steve. Rethinking Mercantilism: Political Economy, the British Empire, and the Atlantic World in the Seventeenth and Eighteenth Centuries, William and Mary Quarterly, 3d series, 69, No. 1 (January 2012), p. 3‐34.
PROSPERI, Adriano. Tribunais da consciência – inquisidores, confessores, missionários. São Paulo: Edusp, 2013.
TODESCHINI, Giacomo. Richesse franciscaine : De la pauvreté volontaire à la société de marché. Paris: Verdier, 2008.
______. Origens medievais da racionalidade econômica moderna, Revista Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, Santa Catarina, v.10, n.2, p. 409-423, Jul./Dez. 2013.
TORGAL, Luís Reis. Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração. 2 vols. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1981-82.
VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão. Os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986.
ZERON, Carlos. Linha de fé. A Companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo: Edusp, 2011.

bottom of page