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No ano de 2010, o grupo de pesquisa do CNPq Ecclesia, do qual os organizadores fazem parte, apresentou no IV Encontro Internacional de História Colonial um simpósio temático, aberto ao estudo de várias facetas do catolicismo no Império português, entre as quais se destacavam: a ação missionária e doutrinadora do clero regular e secular; as manifestações sagradas dos fiéis e do clero, em consonância ou em tensão com as normas institucionais; as marcas deixadas pela sociedade escravista na formação do clero colonial e nas vivências devocionais; as moralidades dos fiéis e do clero; e as representações acerca da morte e da santidade. A receptividade manifestada pela comunidade dos historiadores foi grande, o que animou o grupo a publicar as contribuições mais expressivas apresentadas naquela oportunidade: a coletânea Dimensões do catolicismo no Império português.O simpósio temático homônimo foi reeditado nos encontros de 2012, 2014 e 2016, constituindo já uma tradição do grupo Ecclesia e a consolidação de um espaço de debate em torno da história do catolicismo. As propostas anteriores e essa sempre foram pautadas pelo objetivo de enfocar as perspectivas surgidas em abordagens historiográficas recentes, às quais se acrescentam temas clássicos no campo dos estudos do catolicismo nos domínios portugueses do período Moderno. Quanto aos últimos, podem ser incluídas as pesquisas ligadas às atividades missionárias das ordens religiosas no vasto império colonial, atuando no início sob as coordenadas do regime do padroado e, no século XVII, também sob a direção da Santa Sé, por meio da Congregação da Propaganda Fide. Os estudos mais recentes neste campo têm mostrado a complexidade presente nas atividades dos missionários. Raramente conseguiam aculturar, sob uma perspectiva unidirecional, as populações autóctones que, frequentemente, apropriavam de maneira própria crenças e rituais do catolicismo, dando-lhes novos usos e significados.Houve também grande renovação na análise da ação dos bispos e do clero secular. José Pedro Paiva, em particular, mostrou a variedade de papéis assumidos pelos bispos diocesanos, que ocupavam um papel chave na supervisão das práticas religiosas dos fiéis e do clero, complementando e auxiliando as atividades do Santo Ofício da Inquisição. Além disso, o episcopado encontrava-se muito próximo da órbita do poder monárquico, que escolhia criteriosamente os candidatos às vagas nas dioceses. Quanto ao clero diocesano, a historiografia se abriu a uma pluralidade de investigações, que faz ressaltar o papel central ocupado pelo pároco em uma sociedade do Antigo Regime que tinha o catolicismo como religião oficial: os estudos e a formação; as atividades rituais e de instrução religiosa; a análise do meio familiar e das origens étnicas; o envolvimento do clero em práticas morais ilícitas e em crenças heterodoxas.
Por sua vez, as devoções, as sensibilidades religiosas e as correntes de espiritualidade de fiéis e de membros do clero têm sido contempladas e renovadas pela historiografia. O culto à Paixão de Cristo, à Sagrada Família ao Menino Jesus, derivado da devotio moderna, difundiu-se enormemente ao longo do período, estimulado pelo clero e contando com a participação ativa de fiéis reunidos em irmandades e ordens terceiras. A devoção ao Santíssimo Sacramento e às Almas do Purgatório recebeu igualmente grande incremento. Os vínculos entre os fiéis e os santos de proteção continuaram sólidos, em uma aliança sustentada pela prática da promessa e pela realização dos milagres. Sob o impulso do Concílio de Trento, a Igreja passou a interferir mais de perto na referida relação, procurando fazer do santo um modelo de conduta para o fiel, apoiando-se para isso na ação do clero nos sermões e na difusão da literatura devocional. Um sinal da ação controladora do clero, particularmente do Santo Ofício, foi o crescimento das acusações de “falsa santidade” dirigidas a leigos.Nos anos 70, Jean Delumeau apontou para a “cristianização” da sociedade francesa entre os séculos XVI e XVIII, um movimento que partia não somente do clero – regular e secular –, mas também dos leigos, que se organizavam em congregações, em escolas e produziam demandas pela Reforma católica. O movimento se consubstanciava na pregação, no exercício dos sacramentos, no ensino e na eliminação das “superstições” presentes nos rituais e nas festas. Hoje, a historiografia luso-brasileira tem feito uso dos conceitos como o de “disciplinamento social” e “confessionalização” para narrar a transformação não apenas nas estruturas sociais e políticas, mas também a longo prazo de posturas, normas e comportamentos desde a Reforma Católica, que seriam interiorizados pelos indivíduos. Este é também o processo de invenção do catolicismo nas sociedades do Império português. Considerando estas questões, o simpósio convida também à reflexão sobre os rituais – procissões, missas, juramentos etc. – que demarcavam os espaços (sagrado/profano) e os tempos (cotidiano/ extraordinário etc.) e que resultavam da intervenção de múltiplos atores que interagiam no Império português.Articulando-se em torno dos eixos principais apresentados acima, isto é, a missionação, a ação dos bispos e do clero secular, dos rituais e das vivências religiosas dos fiéis, o simpósio temático que apresentamos espera dar continuidade à abertura de novos temas e de perspectivas de análise no campo de estudos do catolicismo no período Moderno.

Bibliografia:


BETHENCOURT, Francisco; CHAUDURI, Kirti (Dir.). História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, 3 vols.
FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales (Orgs.). A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.
MARQUES, João Francisco; GOUVEIA, António Camões (Coords.). Humanismos e Reformas (História Religiosa de Portugal sob a dir. de Carlos Moreira Azevedo). Lisboa: Círculo de Leitores, 2000, vol. 2.
OLIVEIRA, Anderson José Machado de; MARTINS, William de Souza (Orgs.). Dimensões do catolicismo no Império português (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Garamond, 2014.
PAIVA, José Pedro. Baluartes da fé e da disciplina: o enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal (1536-1750). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011.
PALOMO, Frederico. A Contra-Reforma em Portugal 1540-1700. Lisboa: livros Horizonte, 2006.

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